quarta-feira, 13 de julho de 2011

Marchetteiras: Legião Urbana ou Urbana Legio Omnia Vincit



É difícil pra mim, dizer qual das bandas de Brasília sou mais fã. Não é demagogia. Mas sei que, do trio de ferro dos anos 1980, as que mais escutei os discos foramLegião Urbana e Plebe Rude. Desse período gosto de muita coisa do Capital Inicial, o problema é que eu não consigo até hoje digerir os teclados e arranjos de Bozo Barretti (nada contra a pessoa).

Mas o que quero falar aqui é das incríveis ideias e letras de Renato Russo, dos barulhinhos de Dado Villa Lobos e da limitação técnica de Marcelo Bonfá. Quequímica, hein? Não, não me esqueci de Negrete, mas Legião nasceu trio e morreu trio. Renato Rocha é um grande baixista e sua contribuição, entre 1984 e 1988, foi de sumaimportância.

Estou aqui escrevendo e escutando pela zilhesézimavez o meu disco preferido: O Descobrimento do Brasil. Até arrepia. Considero, ao lado do Dois, o mais perfeito da discografia. Não que os outros não sejam... hehe. Mas este é o mais perfeito. Tudo: produção, timbres, arranjos, composição, letras, direção de arte, qualidade, e até mesmo o posicionamento das faixas no disco. O peso de “Do Espírito”, “Um Dia Perfeito” e “La Nuova Gioventú”, ao lado de coisas lindas como “Giz”, “O Descobrimento do Brasil” e “Só Por Hoje”. Tudo perfeito.

Renato Russo era um roqueiro convicto e gostava de aplicar em sua banda o que via nas bandas e artistas que admirava. Imagine você criança: o menino apaixonado por carro vive fazendo desenhos de carros pelos cadernos e livros; a menina apaixonada por roupa não faz outra coisa senão desenhar roupas nos cadernos. O garoto vai crescer e se tornar um grande mecânico ou piloto ou engenheiro, e será o melhor de sua área; a menina ao crescer será uma grande estilista ou uma grande editora de moda.

Foi assim com o garoto Renato Manfredini Jr. que gostava de criar suas bandas imaginárias, bolava repertório, biografia das bandas, nomes dos discos, crises entre os integrantes e todos os detalhes de carreira. O garoto cresceu e naturalmente se tornou umband leader. Tudo o que criou e aprendeu com seus ídolos ele pôde aplicar de verdade.

Lembro que Renato recusou por muitos anos conceder entrevistas sem a banda toda estar junta. Todo mundo queria uma entrevista solo, mas ele fazia questão de mostrar que se tratava de uma banda de rock. O que de fato era.

A concepção, a idéia, as letras e toda direção da Legião Urbana era de Renato Russo, mas é impossível dizer que a banda era só ele. Dado e Bonfá não eram meros expectadores das idéias de Renato. Muita coisa veio deles.

Isso não é uma regra, mas quando você quer aprendere fazer por gosto e por tesão, você acaba naturalmente colocando um toque pessoal no que criou. O melhor exemplo disso é o punk rock. Veja a tosqueira que era Ramones, Sex Pistols, Clash, Generation X, Buzzcocks,Talking Heads e outras. Por não saberem tocar todas elas encontraram personalidade e, mesmo fazendo parte do mesmo movimento, são bem diferentes. Cada integrante se virou para aprender. Agora diz pra mim que Dee Dee Ramone era um péssimo baixista ecompositor.

Renato Russo, Dado Villa Lobos e Marcelo Bonfá aprenderam juntos. Aprenderam se divertindo. Aprenderam com os amigos e com as outras bandas. Aprenderam nas conversas, nas baladas, nos ensaios, nos showzinhos toscos e depois nos mega shows.

Naquele início dos anos 1980 cansei de assistir a showsda Legião com guitarra e baixo desafinados. Era típico daquela época longos intervalos entre as músicas para que os integrantes pudessem afinar seus instrumentos. Afinador eletrônico era coisa de banda gringa famosa e rica. Nego ficava no palco tentando afinar de ouvido mesmo. Mas essa coisa de tocar desafinado nessa época não era privilégio só da Legião.

Lembro de quando a banda estava no Rio gravando o primeiro disco. Chegavam a Brasília cheios de histórias e todo mundo queria saber como era tudo. Também me lembro da minha decepção ao escutar o disco, quando ele ainda não havia sido lançado. Algumas cópias, sem capa e chamadas de provas, rodavam pela Turma e uma delas parou em casa. Isso aconteceu no finalzinho de 1984.

Escutei me perguntando: cadê a Legião Urbana que eu conheço? Nessa hora senti na pele (como fã) todas as histórias envolvendo as discussões sobre arranjos e produção. Certa vez estava eu gravando o disco prova (muita gente da Turma me deu fitas para gravá-lo), quando chega em casa Bonfá e Buticão para dar carona às minhas irmãs. A reação imediata de Bonfá foi pedir para eu tirar o disco e continuar a gravação depois.

Não sei dizer quantos shows da Legião eu assisti. Osmelhores aconteceram entre 1983 e 1988. E os melhores dos melhores aconteceram entre 1983 e 1985. Gostava de ver Renato tocando baixo. Tocava muito, pelo menos eu moleque ficava ali babando. Suas linhas de baixos são ótimas e as demos da banda estão aí até hoje para provar o que digo, assim como muitas gravações de shows antigos.

Até onde minha memória deixa lembrar, o último show maravilhoso que vi foi o que ocorreu no Projeto SP, em 1988, logo após o trágico show do Mané Garrincha. Esse show do Projeto existe pirata. É a Legião fazendo dois em um: um show só de covers e no bis só músicas autorais. Renato empolgado comeu flor quando jogaram um buquê de rosas no palco. Depois do show disse que estava arrependido, que foi horrível e que nunca mais iria comer flor... jeje.

Depois que Negrete saiu, a banda passou a contar com músicos de apoio ao vivo. Odiava isso. Nessa fase acho que fui a apenas dois shows. O último que vi foi no estádio Palestra Itália. Uma bosta. Nem tenho o disco ao vivo que saiu, nunca o escutei, não faço questão e passo longe dele.

Mas ao contrário do momento ao vivo, os discos desse período pós-Negrete são estupendos. Na verdade estou falando de três discos: As Quatro Estações, V e O Descobrimento do Brasil. Os três são de arrepiar. São ao todo 36 músicas. O domínio de estúdio que a banda passou a ter a partir do Dois é nítido para qualquer fã. Agora o que percebo – aí é um olhar pessoal – é que, com a diminuição dos shows, a dedicação em estúdio foi maior. O gosto de Dado pela produção, engenharia também acredito ter aflorado mais nos anos 1990. Sim, o Músicas para Acampamentos é maravilhoso e escuto muito também, mas me refiro aos discos de inéditas.

Desse período não conto com A Tempestade e Uma Outra Estação. Gosto desses discos, mas pra mim é um período nebuloso e como fã me dá um aperto no coração ao escutá-los. Adoro os dois: “Natália”, “Música de Trabalho”, “Soul Parsifal”, “Uma Outra Estação”, “As Flores do Mal”, “A Tempestade”. Mas é difícil ouvir a voz guia de Renato Russo. São discos inacabados.

Podia ficar aqui escrevendo horas e mais horas sobre cada disco, cada música, cada estrofe, refrão, capas, mas deixo pra depois.














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